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Teatro Experimental de Cascais

Começava, então, há quase cinco décadas a aventura empreendida por dois jovens actores da Companhia do Teatro Nacional D. Maria II - João Vasco e Carlos Avilez – que, sem esmorecerem perante todo o género de adversidades, a 13 de novembro de 1965 conseguiram levar à cena a peça “Esopaida ou a Vida de Esopo”, de António José da Silva “O Judeu”, no Teatro Gil Vicente, em Cascais.
Inicialmente não havia qualquer intenção de criar uma companhia; a montagem de uma só peça já lhes parecia intento suficientemente audacioso para procurarem voos mais altos. No entanto, o sucesso da representação aliado à inexistência de um grupo de teatro profissional na região e ao apoio entusiástico de algumas instituições locais (Jornal Costa do Sol, Junta de Turismo da Costa do Sol), às quais se juntou, mais tarde, a Fundação Calouste Gulbenkian, foram fatores decisivos para o surgimento do Teatro Experimental de Cascais.
Experimental. O que se poderia esperar da força desta palavra, numa época ainda plenamente dominada pela ditadura instituída e pelos seus mecanismos de controlo político? Haveria verdadeiramente espaço para a experimentação? Por vontade de muitas pessoas, provavelmente não; porém, tornava-se já impossível impedir que as novas linguagens teatrais difundidas por toda a Europa chegassem a Portugal. O questionamento das regras do teatro clássico, o recurso caricatural ao gesto, à mimesis, a própria postura em palco deliberadamente “errada”, embora não constituíssem propriamente uma novidade, agitaram os círculos e conseguiram chocar um público pouco preparado para receber propostas tão diferentes do habitual. E havia a censura, o lápis azul, que era necessário saber contornar: pegar em textos clássicos, aparentemente inocentes do ponto de vista político, evidenciando-lhes o lado de crítica social; passar mensagens políticas em tontas comédias de costumes, modificando o tom da peça: aceitar cortar passagens de texto em peças proibidas para as poderem levar à cena. Em nove anos de confronto com a Comissão de Censura, não lhes faltam peripécias para contar. O 25 de abril de 1974 apanhou o TEC numa digressão em Moçambique e, no regresso, esperava-os uma triste surpresa: a expulsão do Teatro Gil Vicente, por parte da nova direção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Cascais, proprietária da sala.
Tempos conturbados, geradores de desconfianças infundadas e de caça aos “conotados com o regime”. Tempos que só quem por eles passou poderá, de facto, compreender. Durante alguns anos, o TEC (sobre)viveu sem casa própria, atuando, tal como muitos outros grupos de teatro, em todos os espaços possíveis e imaginários: fábricas, cantinas, até palheiros! As artes aproximavam-se dos movimentos sociais e assistia-se a um verdadeiro teatro panfletário.
Em 1980, verificou-se uma aproximação entre a companhia e a Câmara Municipal de Cascais, o que resultou no estabelecimento do TEC no antigo picadeiro do Estoril, local utilizado, na altura, pela edilidade para armazenar diversos materiais. Mãos à obra e o espaço ganhou condições para receber, ainda nesse ano, a peça “A Mãe”, de Witiewicz; contudo, só ano seguinte, com mais uns melhoramentos empreendidos, foi possível inaugurar oficialmente o Teatro Municipal Mirita Casimiro. Da colaboração frutuosa com a autarquia surgiu ainda a Escola de Teatro Profissional de Cascais que, desde então, tem permitido à companhia reforçar o seu elenco com novos valores, para além de constituir um contributo inestimável para a renovação e qualificação da profissão de ator em Portugal.
Ao longo da sua carreira, o TEC já apresentou mais de cem peças e do seu currículo constam prestigiados colaboradores dos mais diversos domínios: Carlos Paredes, Luís Pinto Coelho, Almada Negreiros, Júlio Resende, Natália Correia, Daniel Sampaio, Michel Giacometti, entre tantos outros. Pela companhia passaram nomes consagrados nos palcos: Amélia Rey Colaço, Mirita Casimiro, Eunice Muñoz, Carmen Dolores, Mário Viegas, para além dos actores criados e formados na companhia: João Vasco, Santos Manuel, Zita Duarte e de jovens profissionais que o TEC ajudou a lançar: António Feio, Alexandra Lencastre, Diogo Infante ou José Wallenstein.
Um rol imenso, que pode ser admirado numa visita ao mais recente projecto do TEC: o Espaço-Memória Teatro Experimental de Cascais, situado precisamente em Cascais, junto ao supermercado pão-de-açúcar. Nesse espaço, antiga garagem e armazém algumas vezes transformada em sala de espetáculos, toma-se conhecimento da história da companhia através de fotografias, libretos, textos, fascinantes maquetes de cenários e manequins envergando figurinos, adereços e outras curiosidades que fazem o tempo passar sem darmos conta. Um espaço onde se conta o TEC em bem mais do que duas singelas páginas de revista.
(Adaptação de texto originalmente publicado na Agenda Cultural de Cascais nº 17 em novembro de 2005)