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O misterioso tempero de Yulia


























Os alunos da Escola Básica de Talaíde não tinham dúvidas, aquele era, à partida, um almoço ganho ou, como diria Conceição Rita, a cozinheira que diariamente alimenta a população da Escola, “o frango é garantia de sessão lotada”. Há, de facto, uma certa predileção dos miúdos pelo galináceo, ao contrário do peixe, cuja presença provoca autênticas razias no quórum comensal. Mas hoje havia frango no prato e uma razão acrescida: dizia-se nos corredores que uma chef de fora vinha dar o seu toque gourmet à ementa e ninguém imagina como trepavam as expectativas.
Eram, mais ou menos, 80 bocas ávidas de provar o pitéu que a correria dos pequenos mantinha em banho-maria. E quão importante são estes momentos vividos nos bastidores do prato. Há quem diga que o melhor tempero é o apetite, ora era nisso que a pequenada agora trabalhava. E bem cedo lá estava a Chef Yulia Seraya para o resto. Entre tachos e panelas, marcando com uma mão o compasso dos tempos de cozedura e com a outra soltando temperos, desenhando no ar os contornos da harmonia gastronómica.
O som desta sinfonia soava nos odores que se desprendiam e que Yulia provava com um sorriso que apurava. Também ali, como na música há silêncios tão importantes que nos fazem prolongar o retumbar de uma nota que verdadeiramente já não soa há dois compassos. Era dessas pausas que às vezes Yulia parecia persistir entre a libertação de um tempero e o sorriso que sorvia aquele odor libertado.
Há dois anos, quando Yulia desembarcou em Cascais vinda de uma Odessa destruída, trazia dois filhos pela mão e uma vontade enorme de reescrever uma vida. Trazia também, mais do que a angústia, uma paixão. Uma paixão pela arte da cozinha, que trazia de lá abraçada no seu regaço, um velho peluche que a criança transporta como memórias de infância. Assim parecia Yulia agora, dois anos depois. Sempre que sorria parecia afagar esse memorável peluche, essa paixão e era esse o seu grande e misterioso ingrediente.CMC/HC/AG