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Fernando Lopes Graça

Gente que fica na história da história da gente
2014 marca o arranque das comemorações dos 650 anos da elevação de Cascais a Vila. E neste jornal acompanhamos este marco histórico a par e passo. Na primeira edição do ano, damos início a uma nova rubrica dedicada àqueles cuja vida e obra se destaca na construção da nossa identidade coletiva. Convidamos personalidades relevantes do presente para escrever sobre os mais notáveis nomes da nossa história. Jorge Costa Pinto, maestro de Cascais, homem do mundo, celebra precisamente 40 anos de carreira em 2014. Aceitou o desafio de partilhar com os leitores as memórias de um dos vultos da música portuguesa, de quem, aliás, foi aluno: Fernando Lopes Graça. As próximas linhas são uma viagem biográfica à vida do pedagogo, escritor e músico, cujo trabalho se encontra em destaque no Museu da Música Portuguesa, no Monte Estoril.
 
Pedagogo
Fernando Lopes Graça foi professor na Academia de Amadores de Música, em diversas disciplinas, durante largos anos. Nos primórdios dos anos 50, do século XX, frequentei aquela instituição estudando teoria, piano e composição.
Foi na aula de teoria da música a primeira vez que o vi, quando entrou na sala e perguntou se algum aluno tinha disponibilidade para integrar o coro que ele estava formando... creio que alguns colegas aceitaram o convite!
Mais tarde fui seu aluno nos 3º e 4º anos de piano e também nos cursos de harmonia e composição.
Lopes Graça foi professor exigente, interessado em que o aluno obtivesse as melhores notas, mas sobretudo que o aluno compreendesse a matéria, pela minúcia dos exemplos, por sugestões para melhorar a performance, a lembrar a minha dificuldade na gestão do tempo que restava para o estudo, após os compromissos diários do trabalho profissional que já exercia, sobretudo quanto ao piano que requer tempo de prática no instrumento, na harmonia a análise dos corais de Bach era exaustiva, a condução das vozes, nas progressões, tinha o detalhe das várias possibilidades quer se apresentavam, pois uma ou duas não era forma do Graça aceitar como definitivas.
São detalhes do ensino que o professor ministrava na Academia de Amadores de Música, aos seus alunos das diversas disciplinas que dirigia.
Foi membro dos júris que me avaliaram nos finais dos cursos de piano, e de composição; do ponto de vista do aluno, talvez um pouco avaro na atribuição das notas, mas à distância de algumas dezenas de anos, creio que foram justos, como não podia deixar de ser, não só pela honorabilidade como também pela sapiência dos membros que os compunham: professores: Fernando Cabral, Maria Vitória Quintas, Francine Benoit e Fernando Lopes Graça.
 
Escritor
Lopes Graça enriqueceu a bibliografia musical portuguesa contemporânea, com as dezenas de livros que escreveu ao longo da sua vida. 
Crítica, crónica, técnica musical, ensaio, biografia, memória, foram assuntos que tratou nos seus escritos...afeiçoado ao alto valor literário, da melhor cepa camiliana, de Fernando Lopes Graça João Freitas Branco, in "Páginas Escolhidas de Critica e Estética Musical".
'Viana da Mota - Subsídios para uma Biografia’, 'A Música Portuguesa e os seus Problemas', 'A Caça aos Coelhos e Outros Escritos Polémicos’, 'Um Artista Intervém-Cartas com Alguma Moral’, 'Pequena História da Música de Piano', são apenas alguns dos livros por si publicados. Valiosa bibliografia que, sobretudo pelas críticas a concertos, memórias e ensaios, nos dá uma panorâmica da atividade musical no país durante um período de mais de sessenta anos!
Não esqueçamos que Lopes Graça, logo após o termo do curso superior de piano, no Conservatório Nacional de Lisboa, (1931) concorreu a vaga existente, para professor naquela instituição pública, tendo sido aprovado com distinção, mas impossibilitado de concretização por razões políticas. Posteriormente (1954) aconteceu ter sido espoliado da licença para o ensino de música, não oficial, quando exercia esse mister na Academia de Amadores de Música. Vez mais por razões políticas. Muitos alunos foram prejudicados por essa ação, entre os quais o escriba destas linhas então no 4º ano de piano.
 
Músico
Graça inicia-se na música por acidente, como descreve de forma muito peculiar no seu livro Disto e Daquilo (Edições Cosmos-1973) na crónica "Recordações em Dó Maior"...começa aos onze anos a dedilhar no piano caseiro na procura de reproduzir as melodias que ouvia por onde andava, Margarida vai á Fonte, O sole Mio, e outras, tudo de ouvido! Mais tarde tem ajuda de professora amiga que lhe dá as primeiras noções da leitura musical.
Na casa materna, em Tomar, descreve, com humor, como foi absorvendo o conhecimento da grande (!) música. Cavalleria Rusticana, Palhaços, Viúva Alegre, Danúbio Azul - pela audição dos concertos dominicais que a Banda de Música do Regimento de Infantaria nº15, dirigida pelo tenente-maestro Rocha, promovia na Praça da República , hoje Praça de D. Manuel I. Outros organismos musicais existiam entre os quais as banda filarmónicas: Banda Republicana Marcial Nabantina e a Sociedade Filarmónica Gualdim Pais. Com muita graça, Lopes Graça diz: Sempre que as duas bandas se encontravam, tínhamos a música desafinada. Festa ou romaria abrilhantada por ambas elas desandavam em heróica e homérica refrega, da qual saíam os trombones amachucados, as flautas rachadas, os bombos estoirados, à força de serem utilizados como armas agressivas ou pararem os golpes do adversário. E é bem de ver que nem só os pobres dos instrumentos pagavam as custas das rivalidades entre as duas bandas, transformadas em dois autênticos bandos, com seus competentes partidários, que, em geral, são os mais assanhados nestas contendas clubistas. Aquilo era mesmo como as actuais e por vezes sangrentas lutas entre "benfiquistas" e "sportinguistas"...(!)
É vasta a obra composicional que o músico escreveu, grande parte está produzida em suportes fonográficos editados por empresas nacionais e internacionais, contudo um melómano, músico amador, imbuído de grande perseverança em proteger o património musical nacional, com a criação da Discoteca Básica Nacional, no âmbito da Direção-Geral das Artes - Secretaria de Estado da Cultura, onde foi alto quadro, Romeu Pinto da Silva, proporcionou a Lopes Graça a gravação de muitas das suas obras orquestrais e de câmara, nas últimas décadas do século XX, que de outro modo certamente hoje não teríamos o ensejo de escutar.
Na minha condição de músico e produtor musical tive oportunidade de ter colaborado em muitas dessas gravações: 6
- Sonata nº 6, Op.221 - Cinco Nocturnos, Op.105 – Quatro Improvisos, Op.146 - Dois Improvisos, Op. 228 - Ao Fio dos Anos e das Horas, Op.212 - Quarteto de Arcos Nº 2 - Canto de Amor e de Morte - Três Sonetos de Camões, Op.27 - Aquela Triste e Leda Madrugada, Op.112 - Seis Sonetos de Camões, Op.215 - Dez Novos Sonetos de Camões, Op.231- Oito Bagatelas - Trovas - 7 Canções Castelhano- Portuguesas de Rio de Onor - 6 Canções sobre Quadras Populares Portuguesas - Canções do 25 de Abril - 12 Canções Heróicas.
Um acontecimento me surpreendeu, em trabalho de gravação de obras para canto e piano, com Lopes Graça a meu lado na sala de controlo e, colaborador lírico recentemente chegado de Itália na sala onde se procedia a captação do som, com o pianista acompanhante. Depois de ter observado que tal intérprete não respeitava algumas das notas escritas na partitura, o compositor e cantor travaram-se de razões, altamente excitados, que só não chegaram a vias de facto por intervenção do produtor e a gravação chegou ao fim sem nunca ter visto a luz do dia.
Conheci o Graça temperamental! 
Foi uma vivência muito estimulante pela aprendizagem, pelo conhecimento, pela amizade que mantivemos até final dos seus dias, a 27 de Novembro de 1994. Paz à sua alma.
 
Jorge Costa Pinto
Parede, Janeiro de 2014
 

Cascais Digital

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