CONTACTOS
Fale connosco
800 203 186
Em rede

mais pessoas

Alexandre Rippol
Alexandre Rippol “Há um fator mágico que nos impele ...
Margarida Bessa
Margarida Bessa “Uma boa ação por dia nem sabe o ...
José Roncon
José Roncon “Ser voluntário é aquilo que nós ...

Está aqui

Irene Pimentel

Reviver o período da II Guerra Mundial no Tamariz

No passado mês de Setembro (de 2011) passei alguns dias no Estoril, aproveitando o sol e a praia, ao mesmo tempo que preparava um futuro livro sobre a espionagem
em Portugal durante a II Guerra Mundial. De Lisboa, deslocava-me quase diariamente à piscina do Tamariz, com uma pasta cheia de livros sobre esse tema. A caminho da praia, eu passava ao largo do Casino – cujo edifício já não é o mesmo de há 60 anos - e pelos hotéis que já existiam durante a II Guerra Mundial, albergando refugiados ricos, ex-chefes de governo e ex-monarcas  de países ocupados pelas tropas alemãs, bem como espiões dos dois campos beligerantes. Pude assim ler relatos sobre a actividade de agentes secretos ao serviço da Grã-Bretanha ou da Alemanha, que estiveram muitos deles alojados no Hotel Palácio, imersa num ambiente que remetia para a época dos anos quarenta do século XX.
Efectivamente, durante a II Guerra Mundial, a Costa do Sol, e em particular o Estoril, viveu um período de pujança, devido ao turismo forçado» de muitos dos perseguidos e fugidos à guerra e às perseguições racistas e políticas do nacional-socialismo alemão e de outras ditaduras europeias antisemitas. Ironicamente, foi num país onde vigorava uma ditadura
nacionalista com simpatias pelo  anti-demo/liberalismo e anticomunismodo nacional-socialismo alemão que alguns perseguidos por Hitler e pelo seu regime encontraram um porto de abrigo transitório, que nunca foi de exílio definitivo.

Devido à censura, os jornais portugueses quase silenciaram por completo a presença dos anónimos «refugiados de guerra», como lhes chamaram, e preferiram  realçar os «visitantes ilustres» que chegavam a Portugal, «ponto terminal da Europa para as carreiras aéreas da América», como se lia, num entusiasmado artigo do Diário de Notícias (DN), de Novembro de 1939. A partir do final desse ano, chegaram perante o deslumbramento dos portugueses e dos repórteres, muitos ex-governantes europeus, aristocratas, ex-monarcas, escritores e actores, expulsos pela ocupação alemã dos seus países ou voluntariamente, que passaram pelos hotéis do Estoril, a caminho de exílios dourados.
 

No final de 1940, um editorial do mesmo DN dava conta que a «guerra e o Clipper tornaram Lisboa escala obrigatória de vedetas» e que a capital portuguesa era então «a sede cinematográfica da Europa». Por Portugal, porto neutro europeu, passaram também, entre Janeiro e Outubro de 1940, a caminho do exílio, os ex-presidentes lituano e russo, respectivamente, Autonas Smetona e Kerenski, bem como os ex-governantes da Grécia, Jugoslávia, Bélgica e França. Muitos aristocratas e ex-monarcas também se instalaram nos hotéis luxuosos de Lisboa e do Estoril. Foram os casos, entre outros, da princesa Margarida da Dinamarca, dos príncipes regentes da Jugoslávia, Alexandra e Nicolau, dos condes de Paris, do Arquiduque Otto de  Habsburgo e da Grã-Duquesa Carlota do Luxemburgo. Músicos e compositores também se exilaram no «Novo Mundo», através de Portugal. Entre eles, contaram-se os compositores Béla Bartók e Darius Milhaud, bem como o antigo presidente da República da Polónia e pianista, Ignacy Jan Paderewski (1860-1941), que aguardou no Estoril a ida para os EUA. Pelo Estoril, passou logo no início de 1938, ainda antes de a guerra começar, o escritor e intelectual alemão, Stefan Zweig, exilado em Londres, para onde tinha fugido da perseguição nazi. Da estância estância balnear do Estoril, Zweig escreveu duas cartas aos seus amigos Joseph Roth e a Siegmund Freud, convidando-os para passarem um «intermezzo meridional» nesse «local tranquilo da Riviera» portuguesa.

Já depois o começo da guerra, estiveram de passagem no Estoril diversos governantes, personalidades e  cabeçascoroadas da Europa, ocupada pela Alemanha.  Em Novembro de 1940, hospedaram-se no Hotel Palácio do Estoril o milionário Charles Guggenheim, a futura primeira-ministra da Índia, Indira Nehru, e o economista John Maynard Keynes. Outros passaram
pelo Estoril com passaportes falsos, clandestina e brevemente. Foram  os casos de diversos escritores e intelectuais alemães e austríacos fugidos ao nacional-socialismo, munidos de passaportes checos  emitidos em Marselha, que ficaram alojados no Grande Hotel da Itália do Estoril, entre Julho e Outubro de 1940, enquanto aguardaram o navio para os Estados Unidos da  América. Entre estes, contaramse  escritor Franz Werfel e a eposa, Alma Mahler-Werfel, que sentiu, em Portugal, uma «tranquilidade paradisíaca», bem como o historiador Golo Mann, filho de Thomas Mann e sobrinho de Heinrich Mann. Este último e a sua mulher, Nelly, vinham munidos com passaportes checos em nome de Ludwig, para escapar
à perseguição nazi. Antes de partir para Nova Iorque, juntamente com o cineasta Jean Renoir, o aviador e autor do Príncipezinho esteve alojado, entre 28 de Novembro e 20 de Dezembro de 1940, no Hotel Palácio do Estoril.

Face à sofreguidão com que os refugiados mais ricos gastavam, na roleta, fortunas «esvaziadas de significado» e «moeda talvez caducada», Saint-Exupéry sentiu uma tristeza e uma angústia iguais à «que nos invade no jardim zoológico diante dos sobreviventes de uma espécie em (vias de) extinção».
A maioria dos refugiados e estrangeiros que se alojaram no Estoril e na «Costa do Sol» permaneceram pouco tempo nesse local de «turismo forçado».

Opinião in C - Boletim Municipal, nº3, Outubro 2011)

Cascais Digital

my_146x65loja_146x65_0geo_146x65_0fix_146x65360_146x65_0my_146x65loja_146x65_0geo_146x65_0fix_146x65360_146x65_0