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José Manuel Viegas

A mobilidade é fundamental para a coesão social

A realização do ETAC – Estudo de Trânsito de Âmbito Concelhio, liderado pela Câmara Municipal de Cascais, contou com a participação do professor do Instituto Superior Técnico e reputado especialista de transportes e mobilidade, José Manuel Viegas.

As conclusões deste relatório preliminar não são muito animadoras. Apesar do concelho ter interessantes condições geográficas e paisagísticas, do ponto de vista da mobilidade e da acessibilidade há muito a fazer. Esta é uma visão pessimista?
Não. Em relação ao que seria desejável e possível, ainda há muito trabalho a fazer mas, no conjunto dos concelhos da área metropolitana de Lisboa, Cascais não está particularmente mal. Ou seja, foi havendo preocupações a reboque das operações de urbanização e foram-se fazendo vias para os automóveis das pessoas que se queriam atrair para  o concelho. Muitas vezes, essas soluções não foram suficientes para resolver o congestionamento, raramente são. Por outro lado, não houve capacidade de resolver o problema da acessibilidade
em transportes públicos para os núcleos menos afluentes. Este é um problema clássico e Cascais não é muito diferente dos outros.Do ponto de vista da serventia em transportes públicos, andamos a viver há dez, doze anos numa “angústia”, em que toda a gente diz: isto não se resolve enquanto não houver autoridade metropolitana de transportes. E quer a versão  legislativa de 2003, quer a versão de  2005, da autoridade metropolitana estão carregadas de erros de geometria institucional. Tem erros do ponto de vista da repartição
de competência e da própria arquitetura jurídica que tornam inviável fazer bem a sua missão: é quase impossível fazer alguma coisa que se veja.

À partida, há um problema de produção legislativa?
A lei que está feita tem problemas  graves, que cheguei a identificar para o anterior governo, e há ali pecados capitais suficientes para ela funcionar mal.
Não tenho dúvida de que este problema vai ter de ser resolvidoporque há um regulamento europeu que obriga à contratualização dos transportes com obrigações de serviço público (ou seja, como é que damos serviço às populações de vilas e aldeias menos centrais, que indemnização compensatória há por isso, até que horas da noite há serviço de transportes, etc.). E nessa altura passa a ser a sério, porque passa a haver contratos rigorosos com operadores privados e operadores públicos.

Há um calendário definido?
Perfeitamente. E, no limite, esse regulamento está já em vigor. Só não está em vigor o que determina que os contratos com privados têm de ser feitos com concurso público. No limite, se hoje algum dos operadores privados ou públicos quiser fazer alguma alteração à sua rede, o regulamento está em vigor. Mesmo a parte que preconiza fazer concurso quando se trata de adjudicação a privados, entra em vigor no dia 3 de dezembro de 2019, com um ponto intermédio a 3 de dezembro de 2013. Nesta data a comissão europeia vai fazer
uma avaliação do que já houve de  progresso nos vários países para a aplicação plena do regulamento. Acho que o governo, mais ou menos daqui a um ano, vai perceber que
tem de fazer alguma coisa para o checkpoint intermédio, de 2013. Terá de mostrar algum serviço.

Nas conclusões do relatório há especificidades do concelho em termos de acessibilidades, transportes, etc. em relação a  outros concelhos?
Cascais é diferente de Oeiras, que tem mais tráfego de atravessamento. Ao estar no fim da linha, Cascais não tem problemas de atravessamento, mas tem de congestionamento, quer na circulação quer no estacionamento. Tem uma repartição modal desequilibrada, demasiado dependente do automóvel e nisso é parecidocom os outros concelhos. Depois,
a geografia faz com que haja problemas específicos.

Porque é que é tão difícil ter um transporte coletivo de qualidade?
Diagnosticaram inclusive que  certos trajetos só são feitos duas vezes por hora, apesar de serem distâncias curtas. Suponha que, por hora, tem nesses sítios, ao todo, 30 pessoas que vão apanhar o transporte coletivo. Se fizer dois serviços por hora, já só tem 15 pessoas em cada autocarro, está a perder dinheiro, já não cobre os custos. Se quiser fazer quatro
por hora para servir melhor as pessoas, está a cobrir uns 15%  de custos. E o problema que se coloca é quem paga os outros 85%? Temos de perceber que qualquer oferta de um bem ou serviço tem um custo. E esse custo é sempre pago e só há três maneiras de o pagar: ou são os clientes de hoje, ou os contribuintes de hoje ou os contribuintes de amanhã.

Mas esse é o problema do ovo e da  galinha - quem nasceu primeiro? Há transporte de fraca qualidade porque há poucos utilizadores ou estes são poucos porque o transporte não é apetecível?
Não, isto tem a ver com as decisões urbanísticas. Como é que isso se quebra? A prazo, os planos diretores municipais têm de se fazer tendo em conta os transportes. Tipicamente
o que tem acontecido é: a câmara  tem um pedido de um promotor que quer fazer uma vivenda porque se vende melhor que blocos de apartamentos. Faz-se. A câmara
ganha as taxas daquilo tudo. Porém, a seguir quem é que paga o défice dos transportes coletivos? Até agora as câmaras não têm tido custo com isso. Portanto, tem sido cómodo para os municípios  tomarem decisões urbanísticas sem pensarem na fatura que vema seguir, de darem boa qualidade de vida a essas pessoas comtransporte coletivo. E isso, até agora
não entrava, e não entra ainda, nas contas do município. Essa é uma  das razões que me leva a dizer que não há qualquer solução sustentável que não passe pelo engajamento
financeiro dos municípios nos custos do transporte coletivo, sem isso vão continuar a ter um urbanismo irresponsável.
 

Defende então uma coresponsabilização das autarquias?
Tem de ser, inclusive financeira. Não há nenhum país que não tenha caminhado nesse sentido. Quem toma as decisões em sede de urbanismo não pode estar desligado
das soluções em termos de custo da mobilidade. Porque, se não, só tem a receita e não tem o custo. Assim é fácil, não? A prazo penso que o Estado não devia pagar nada, neste
campo. Claro que é preciso uma transição.

O ETAC dá conta de uma média de um veículo para dois habitantes no concelho de Cascais, é assim?
É a média da área metropolitana.  O centro de lisboa é onde o rácio é menor, porque é habitada por pessoas idosas. Essa média decorre do enriquecimento dos últimos anos,
da grande facilitação do crédito, da insuficiência do transporte coletivo e do facto de haver um maior número de mulheres que trabalham– o que acho bem. O duplo emprego
na família gerou requisitos de mobilidade, em muitos casos difíceis se não impossíveis de resolver sem o recurso ao transporte de carro, pelo menos para um dos adultos.
Há uma pulverização da procura.E como é que isso se resolve? Tenho andado a trabalhar no IST em soluções de minibus. Estou convencido de que daqui a alguns anos vamos ter de ir à procura de soluções cooperativas de transporte partilhado entre dez, doze pessoas, com uma carrinha conduzida por alguém que está reformado, não é um profissional, faz aquilo
nas suas horas vagas... Vamos ter de ter soluções de transporte menos “indústria regular” e mais cooperativas entre os próprios ou com uma espécie de voluntariado, de um reformado.

Não vamos ter transportes coletivos como os conhecemos hoje?
Não. Os utilizadores vão passar a ter uma maior contribuição nos custos e vamos ter geometrias muito mais variáveis... minubus expressos. Na linha de Cascais fizemos este
teste: transportar as pessoas em pequenos minibus que, no máximo, fazem 5 Km até à estação, com duas paragens, e depois apanham o comboio até ao Cais do Sodré ou
ficam nas estações do caminho. No máximo tinham um transbordo da carrinha para o comboio e do comboio para o metro, e depois andariam 500 metros a pé. Com base nos nossos inquéritos identificámos16 mil e tal pessoas que conseguiriam fazer isto perdendo mais 5 minutos do que gastam hoje. E isto com horários verdadeiros, em que 90 pessoas/90 automóveis são substituídos por uma carrinha. Está a ver a diferença? Estamos a falar de 16 mil pessoas, números reais - e o que isto significa em portagem, poluição, etc - entre as
7h30 e as 10h da manhã e o mesmo à noite. Há aqui enorme potencial de pôr o sistema a funcionar. O objetivo era desenhar um serviço super rápido para ir até à estação. E fizemos isto para ser um transporte não subsidiado, com ligações só enquanto houvesse procura que desse para cobrir os custos.

Isso são investimentos reduzidos?
Comparativamente com os que estão previstos para a rede viária são muito reduzidos! Estamos a falar de uma rede integrada. Normalmente as pes soas pensam em ciclovias.
Nós falamos em preparar percursos para a utilização da bicicleta – pista ciclável na estrada que já existe. No início pensava-se em ciclovias, mas esbarrou-se com a realidade das
vias que existem: há ligações onde já não há espaço e, por outro lado, é preciso obrigar o automobilista a conviver com o ciclista, e fazer aumentar rapidamente o número de ciclistas para que essa convivência seja natural, como acontece em Amsterdão ou Copenhaga.
 

Cascais já tem as biCas...
 Cascais tem um serviço de biCas gratuito e vocacionado sobretudo para turistas. O que estamos a sugerir é um biCas vocacionado para as deslocações quotidianas.Sugerimos a introdução desse serviço em Carcavelos e Parede, que são os centros com maior diversidade de relações urbanas. Também dizemos que a forma de explorar este serviço não é o mais
adequado e que se deve equacionar que deixe de ser gratuito. Aí, a aposta pode começar por existir em zonas de estacionamento em segurança das bicicletas dos próprios, já que
há muitas pequenas deslocações internas.

Em relação a parques foram detetadas necessidades de reforçar o estacionamento de automóveis junto aos comboios, enquanto não se encaram outras soluções?
O estudo identificou zonas junto às estações que poderiam servir de parques de estacionamento mas simultaneamente também propõe o alargamento, e a criação, de zonas tarifadas. Adicionalmente propomos a redução dos parâmetros de estacionamento residencial. É sugerido no estudo que os fogos a serem construídos sejam mais contidos na oferta de
estacionamento aos residentes – menos lugares de estacionamento, para desincentivar o automóvel. O rebatimento sobre o caminho-deferro em pouca medida pode ser
resolvido através da construção de mais estacionamento, até porque não há muito espaço e é caríssimo fazê-lo. É preferível criar estacionamento de bicicletas e os tais shuttles de carrinhas de lá para cá com as estações. O transporte coletivo tem de ser pago para podermos exigir qualidade. E, mais do que isso, o sistema de mobilidade naárea metropolitana deve ser financeiramente autosuficiente. Isso quer dizer que tenho de ser capaz de ir buscar dinheiro ao transporte individual para ajudar o transporte coletivo, na medida
em que este ajuda o transporte individual a descongestionar-lhe as vias. Não vejo razão para que o sistema de transportes no seu conjunto não seja autosuficiente. Se
quisermos ser senhores do nosso destino, na área da mobilidade e dos transportes, temos de ser capazes de gerar soluções sustentáveis. Penso que não é preciso aumentar
mais as portagens, eu aumentava sim os custos de estacionamento não residencial.

(Entrevista in C - Boletim Municipal, nº 3, Outubro 2011)

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