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Maria Odete Morgado

Com uma carreira de quase seis décadas dedicada ao ensino, Maria Odete Morgado continua, todos os dias, a cumprir, em Carcavelos, a sua missão de educadora. Alguns dos seus antigos alunos têm já hoje cerca de 50 anos mas continuam a tratá-la por “Menina Odete”, porque foi assim que a receberam, quando a viram entrar como professora na ala masculina da 3ª classe da antiga Escola nº 1 de Carcavelos.

Com uma carreira de quase seis décadas dedicada ao ensino, Maria Odete Morgado continua, todos os dias, a cumprir, em Carcavelos, a sua missão de educadora. Alguns dos seus antigos alunos têm já hoje cerca de 50 anos mas continuam a tratá-la por “Menina Odete”, porque foi assim que a receberam, quando a viram entrar como professora na ala masculina da 3ª classe da antiga Escola nº 1 de Carcavelos. Na sua estreia como docente deparar-se-ia com uma turma de 25 alunos, cuja média de idades rondava os 13 anos e que ainda mal sabiam ler. Tinha, então, 19 anos e estava a terminar o Magistério Primário quando foi substituir a professora titular que se ausentara por doença, mas ainda hoje se recorda do nome de todos, sentindo-se feliz por ter conseguido cativá-los e fazer com que passassem a ser mais assíduos. Foi este o começo de uma relação especial que estabeleceu com várias gerações de alunos da freguesia que, para além da professora, puderam contar, desde então, com uma grande amiga.

Embora esta fosse a sua primeira experiência profissional, Maria Odete começou cedo – com apenas 13 anos – a envolver-se em assuntos de educação, ao decidir viver com a madrinha, D. Francisca Lindoso, no Instituto da Sagrada Família, na Parede. A instituição acolhia crianças e jovens carenciados, apesar de não ser esse o seu caso, pois a família estava por perto e podia visitá-la sempre que queria. Na verdade, nascida em Lamego, no ano de 1937, onde o seu pai tinha uma sapataria, «negócio que até não corria mal», mudar-se-ia, três anos depois, com os pais e cinco irmãos para Lisboa e depois para a Parede, onde veio a frequentar a instrução primária. O pai entendia que na capital os filhos poderiam usufruir de uma melhor educação. A fundadora e também diretora do Instituto da Sagrada Família, D. Francisca Lindoso, apreciava muito as brincadeiras cheias de criatividade da afilhada, que já naquela altura contagiava com a sua energia todos aqueles que ali estavam por circunstâncias de vida menos felizes. Não era por ser afilhada da diretora que gozava de mais privilégios na instituição.

Tal como as outras internas também tinha obrigações, que cumpria sem qualquer sinal de contrariedade. Desta forma, todas as manhãs ajudava a educadora no jardim-de-infância, servindo-lhe de grande inspiração para a sua atividade os serões em família que a incentivaram a gostar de música, dança e teatro. Da parte da tarde, estudava no Colégio da Bafureira. Em criança dizia que queria ser médica, mas depois da experiência vivida no Instituto Sagrada Família percebeu que a sua vocação era ser professora, optando, assim, pelo Magistério Primário. Continuou, no entanto, a viver na instituição de onde apenas saiu para casar aos 20 anos. Durante alguns anos lecionou em Carcavelos, chegando a abrir um colégio com uma amiga, projeto que há muito sonhava concretizar. Deu aulas em colégios privados, como o St. Julian’s School, passando pelo Ensino Especial na Associação Cristã da Mocidade e pela Famser – Associação de Famílias Voluntárias Anti-Droga.

O seu marido, delegado de propaganda médica, seria colocado em Moçambique quando Maria Odete tinha 38 anos de idade e 19 anos de experiência como docente. Já com quatro filhos, foi coordenadora do ensino primário no Colégio Marista, regressando à metrópole seis anos depois, com mais um membro na família: o quinto filho e o único que não nasceu na freguesia de Carcavelos… A sua carreira profissional prosseguiu, entretanto, na Delegação Escolar, em Cascais. Abriu, mais tarde, o infantário “O Berço e depois o colégio e  O Cavalinho, em Sassoeiros, atualmente dirigido pelo filho mais novo. Na vida também passou por momentos menos felizes, que soube ultrapassar por meio da intensa atividade que sempre a ligou a Carcavelos. É, assim, a mentora do prestigiado Coral Infantil de Carcavelos e a promotora do Festival da Canção infantil Clave de Prata. Presidente da Direção da Sociedade Recreativa Musical de Carcavelos desde há 15 anos, no âmbito do qual fundou o TIC – Teatro Infantil de Carcavelos, de que é encenadora, tem-se destacado igualmente como autora da maioria das peças que o grupo representa. Fã da História de Portugal, dispõe de um repertório de peças de teatro desde a fundação da nacionalidade às invasões francesas.

O pai adorava História, sabendo-lhe transmitir essa paixão. Por isso, ainda hoje a família faz questão que seja a “Menina Odete” a motivar os alunos do 1º ciclo do Colégio O Cavalinho a gostarem desta disciplina. Apesar de aposentada, Maria Odete Morgado continua cada vez mais ativa em prol da freguesia. Não consegue abrandar o ritmo porque sente um amor incondicional por Carcavelos, tanto mais que confessa: «O que tenho feito é dedicar-me às pessoas, ao ensino é à freguesia. Sinto que têm uma certa estima por mim e eu por elas».
Assim fala quem ama o que faz!


 


Agenda Cascais nº66 | janeiro e fevereiro de 2014

Cidadela de Cascais acolhe Art District | Primeira galeria de Raw Art do país nasce em Cascais

Trazer a arte para o contexto quotidiano e usar espaços de transição ou superfícies comerciais para a promover é o objetivo do Cidadela Art District que vai nascer em breve, na Cidadela de Cascais. A inauguração está prevista para dia 8 de março, altura em que o público passa a poder visitar não só seis novas galerias de arte, mas também seis estúdios abertos nos vão estar a trabalhar artistas como Bruno Pereira, Duarte Amaral Neto, Paulo Arraiano, Paulo Brighenti, Pedro Matos e Susana Anágua.

 

Sob a direção de arte de Sandro Resende, o Cidadela Art Distric será uma mostra de arte permanente em pleno coração da Vila de Cascais, constituindo uma razão acrescida para visitar a Cidadela de Cascais, onde além das exposições simultâneas nas galerias – Raw Art, Viarco, Cinco, Magnética Magazine, Branco Editora & Biblioteca, Allarts – e estúdios, vão decorrer três concertos por ano e ainda várias intervenções artísticas noutras unidades do grupo hoteleiro. Assim, a partir de março será possível encontrar os artistas plásticos a trabalhar nos seis estúdios abertos instalados nos antigos edifícios militares, ou em qualquer outro local da Pousada como refere Sandro Resende: “pontualmente os artistas vão intervir em outros espaços para além dos Open Studios. Vão acontecer várias coisas dentro e fora do hotel”, explica. 
 
Ana Sofia Bettencourt, vereadora na Câmara Municipal de Cascais, não tem dúvidas quanto ao valor deste projeto ao qual a Câmara se associou desde o primeiro momento: “esta vinda de artistas vai dar uma vida enorme ao centro de Cascais, porque chama a criatividade, chama olhares diferentes. Isso é importantíssimo para Cascais!“ Opinião partilhada por Paulo Arraiano, artista plástico nascido em Cascais envolvido no projeto, para quem “o Art District vai trazer muita energia ao espaço dentro e fora da Cidadela. Todo este projeto tem a dinâmica de galeria aberta, de trabalho conjunto e isso é super importante para todos nós como artistas e para a comunidade”.
 
Aliando o turismo à cultura, o Cidadela Art District faz da Pousada Pestana Cidadela o primeiro hotel da Europa a apresentar um projeto desta natureza. Luís Araújo, administrador da pousada distinguida com vários prémios nacionais e internacionais, acredita que esta será mais uma parceria de sucesso, motivando, de resto, a mudança do nome para Cidadela Historic Hotel & Art District: “a arte é uma área que nos é desconhecida. Somos empresários, sabemos muito de turismo e de hotéis, por isso fomos buscar o Sandro Resende e alguns dos artistas mais conhecidos de Portugal que juntamente com outros menos conhecidos do público nos podem ajudar a criar uma dinâmica vencedora”.
 
Entre as seis novas galerias que abrem ao público no âmbito do Cidadela Art District está a Raw Art, primeira galeria de arte bruta do país. Uma arte diferente, nascida das mãos de artistas cujo percurso é marcado pela doença, deficiência ou pertença a grupos de algum modo marginalizados pela sociedade. A estreia vai ser assegurada pelos trabalhos de Jorge Tarouca, um artista com doença mental cujos trabalhos Sandro Resende descobriu no âmbito de um outro projeto e que agora passam a estar disponíveis para serem apreciadas pelo público em geral.
 

Museu de Artilharia de Costa vai nascer na Parede

Património edificado e exemplar único no país, o Forte da Bataria de Artilharia de Costa da Parede vai transformar-se em breve no Museu Militar de Artilharia de Costa, rodeado por um jardim e parque temático para usufruto da população. Representando um investimento municipal de um milhão de euros, espera-se que os frutos da parceria entre a Câmara Municipal de Cascais e o Exército Português comecem a ser visíveis ainda este ano.

 

 
Parque temático e jardim enquadram projeto
 
O acordo de princípios para um Protocolo de Colaboração entre a Câmara Municipal de Cascais e o Exército Português decorreu, dia 28 de janeiro, na sala subterrânea do forte que se encontra desativado desde 1999 e que vai, em breve, cumprir outras funções com a instalação do Museu Militar de Artilharia de Costa, polo museológico dedicado à Artilharia de Costa e à Fortificação Marítima na História de Portugal. Na prática, na infraestrutura militar implantada nos Prédios Militares números 5, 37 e 39 de Cascais, afetos ao Exército e que fazem parte do domínio público militar, será criado um polo cultural de forte atração turística. 
 
Enquanto o Museu de Artilharia de Costa se vai desenvolver nas antigas instalações do forte, a nível subterrâneo, à superfície, numa áreas de cinco hectares, vai criar-se “um espaço visitável, confortável e seguro”, como referiu Inês Basto, arquiteta responsável pelo projeto, juntamente com Rita Herédia. Aberto à visitação do público, o espaço em que se optará por recuperar o existente e valorizar as peças de artilharia, oferecerá percursos para visitas mais ou menos longas e equipamentos para recreio e lazer, como uma cafetaria panorâmica e um anfiteatro, incluindo um circuito de recreio que evocará o antigo circuito de treino militar. Em torno dos muros que hoje isolam o quartel será criado um passeio para um acesso mais fácil e seguro. 
 
Aproveitando ao máximo as pré-existências e procurando evocar a história do local, “o projeto representará um investimento de cerca de um milhão de euros”, adiantou Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais. “Este é claramente uma das melhores vistas de Cascais sobre a entrada do Tejo e vai ser um polo muito importante para preservarmos as nossas memórias, pelo que temos todos os ingredientes para um caso de sucesso”, referiu ainda o autarca, aproveitando a oportunidade para lançar o repto a uma nova parceria com vista à recuperação da Bataria de S. Gonçalo.
 
Presente na cerimónia, Berta Cabral, Secretária de Estado da Defesa, não só aceitou o desafio, como confirmou a disponibilidade do Estado para estabelecer novas parcerias com os municípios de todo o país, “em defesa da nossa cultura, história e identidade”. Por seu lado, Pina Monteiro, general, Chefe do Estado-Maior do Exército, considerou ser este “um momento histórico” e “um exemplo da proximidade entre o exército e a comunidade civil”. Reiterando que com a criação deste museu os cidadãos irão recordar a história militar que aqui se viveu”, Pina Monteiro, destacou que no âmbito deste projeto “vai ser possível estudar e aprofundar a história da artilharia de costa em Portugal”. 
 
Essa é, aliás, uma das premissas do acordo de princípios agora assinado que, além da constituição do museu e do jardim e parque temático, antecipa o desenvolvimento de projetos de investigação sobre a defesa de costa e fortificação marítima a assegurar pelo Exército, em associação com a Biblioteca do Exército, o Arquivo Histórico Militar e o Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar.
 
Aspetos como a listagem completa dos espólios a ceder pelo Exército e pelo Município de Cascais para o funcionamento do Museu Militar da Artilharia de Costa, ou qual a posição do Município de Cascais no que respeita ao aumento do acervo aquisição de objetos e coleções estão também em cima da mesa de negociações entre o município de Cascais e o Exército Português, as quais deverão estar concluídas no mais curto espaço de tempo.
 
 

Cascais acolhe Feira Internacional de Arte Contemporânea | Apresentação dia 29 de janeiro

Com o apoio da Câmara Municipal de Cascais, concelho que aposta fortemente na área da cultura e da criação artística, realiza-se entre os dias 10 e 13 de julho de 2014, no Centro de Congressos do Estoril, a Est Art Fair, Feira Internacional de Arte Contemporânea de Cascais. A apresentação do evento acontece nesta quarta-feira, dia 29 de janeiro, às 12h00, no Hotel Ritz em Lisboa.
Destinada a impulsionar o mercado da arte em Portugal, a Est Art pretende também estimular a promoção internacional de artistas nacionais já consagrados ou em início de carreira e ainda estreitar relações nesta área junto de países com os quais Portugal tem vindo a desenvolver relações económicas, empresariais e culturais, bem como com galerias e artistas oriundos desses países. 
 
Composta por vários eventos a realizar ao longo do ano no concelho de Cascais, a Est Art, irá culminar na Est Art Fair - Feira Internacional de Arte Contemporânea, marcada para o Centro de Congressos do Estoril, entre os dias 10 e 13 de julho de 2014 e que contará com a participação de mais de 50 galerias. 
 
A Est Art Fair - Feira Internacional de Arte Contemporânea será assim o ponto alto de um projeto que se diferencia pelo formato e conceito inovadores na apresentação da arte contemporânea em Portugal, através de projetos expositivos próprios, seminários, workshops e visitas guiadas para especialistas, colecionadores e para uma nova geração de consumidores e apreciadores de arte.
 
Reconhecendo que a presença de artistas, galerias e colecionadores de países como Angola, Brasil, China, Espanha, Moçambique e Rússia será importante na construção deste mercado, a organização da Est Art Fair vai apostar fortemente na promoção externa do evento, especialmente para atrair a participação de galerias e artistas estrangeiros, fundamentais para a criação de um mercado de arte consistente e sustentável. 
 
Sobre a importância do Est Art | Segundo o relatório The European Fine Art Foundation – “Art Market Report 2013”, o mercado global da arte valeu, em 2012, cerca de 43 mil milhões de euros, com um volume de transações na ordem dos 35 mil milhões. Para além do retorno financeiro, os artistas emergentes e mesmo os já conceituados, não dispensam galerias, instituições, colecionadores, curadores e críticos de arte, cujo universo integra feiras, mercados e eventos de exposição, onde ocorrem apreciações, opiniões e, particularmente o contato com novos públicos. O projeto Est Art surge assim em Portugal para proporcionar estes momentos e espaços diferenciados, com elevados padrões internacionais, com enfoque em obras e artistas de renome ou acabados de chegar ao mercado da arte. 
 

Associação Desportiva Cultural e Recreativa Murtalense celebrou 90 anos

Celebrar 90 anos não é para todos. Que o digam os associados da Associação Desportiva, Cultural e Recreativa Murtalense que se juntaram no passado domingo para evocar quase um século de história com muitas vicissitudes.

 Marcado por um almoço comemorativo no salão de festas da associação, o aniversário reuniu inúmeros sócios, amigos e convidados que em ambiente de festa mas também nostálgico assinalaram os 90 anos da Associação Murtalense.


Uma associação que nasceu em 1924 e que ao longo dos anos passou por vários desafios. Assim o recorda Jorge Fontes, tesoureiro e sócio desde os 12 anos de idade, para quem este foi um dia importante: “Foi um domingo de festa em que quisemos assinalar estes 90 anos. Em 2001 este edifício estava fechado, com atividade encerrada e foi preciso muito trabalho para recuperar tudo. Mas hoje em dia está aberto e é isso que interessa!“


Longe dos dias menos produtivos, a Associação dedica-se a várias atividades desportivas como Pilates, Esgrima, Kickboxing e Karaté. Pratica-se também Futebol, modalidade  que se tornou possível com o aparecimento do campo de futebol no Jardim Murtalense. Além disso, a associação promove aulas de música, contribuindo para o desenvolvimento cultural da comunidade.


Para o futuro são vários os projetos ambicionados. Entre eles está o aumento da sede, a criação de um relvado sintético no campo e a enorme vontade de trazer à ribalta os anos dourados do Murtalense, onde não faltavam bailes, festas de Carnaval e a celebração dos Santos Populares.


Mesmo num contexto onde está bem presente a dificuldade em responder ao apelo de todas as instituições do concelho, a Câmara Municipal de Cascais está, como refere Frederico de Almeida, vereador do desporto, educação e ação social “a analisar em conjunto os projetos desta Associação. Vamos, com certeza, encontrar as melhores soluções para que a associação continue o seu caminho, pelo menos, por mais 90 anos.”


Sobre a Associação Desportiva, Cultural e Recreativa Murtalense | A 24 de janeiro de 1924 nascia no Murtal o Grupo Musical e Desportivo Murtalense com o objetivo de desenvolver atividades de beneficência, aulas de música, e promover espetáculos e festas. Mas nos anos 50, surge no Murtal um outro grupo com a mesma atividade, o Grupo Desportivo Murtalense. Em 2009, depois de vários esforços para uma fusão, os dois grupos unem-se e formam assim a Associação Desportiva, Cultural e Recreativa.  A associação que outrora originava momentos extraordinários através de diversas atividades e eventos regionais e nacionais como é exemplo as provas de ciclismo que faziam o deleite dos murtalenses, foi também marcada pela medalha de mérito municipal em 1959. Em 2000, o Murtalense viria a fechar portas devido a uma gestão, da direção da altura, menos rigorosa. Destemidos e com vontade de erguer o espaço que fora a sua segunda casa durante a juventude, um grupo de amigos juntou-se para não deixar morrer a associação, mantendo-a em atividade até aos dias de hoje.




 

Luís Carlos Alves

Nasceu em Angola, Gabela, a terra do café e do nevoeiro. Em 1969 viajou pela primeira vez para Portugal com apenas cinco anos. Como nos contou, esta não foi uma viagem de férias planeadas para vir conhecer a terra dos seus pais e avós. A infância vivida e descontraída aos sabores de África, foi interrompida por uma viagem forçada pelos ventos da descolonização que, em 1974, obrigou milhares de portugueses a trilhar um caminho de não retorno em direção à “metrópole” e a uma vida nova feita do nada.

As suas recordações de Angola são escassas, mas Luís Carlos lembra-se bem do momento da partida, do colo da mãe, da sensação de que alguma coisa não estava a correr bem, do som das rajadas de metralhadora, da angústia motivada pela espera de dias e noites passadas numa garagem onde também estavam muitos outros portugueses. Tal como a sua família, estas eram pessoas que engrossavam as listas de espera das escoltas até ao aeroporto, de onde todos partiriam em direção a Portugal. Hoje, 39 anos após ter pisado solo pátrio e depois de alguns amigos lhe mostrarem fotografias atuais da casa onde viveu em Angola, destruída, Luís Carlos não sente vontade de voltar. A nostalgia do regresso não lhe toca tão profundamente como àqueles que regressaram já mais velhos e com um baú cheio de memórias de um tempo feliz. E se a despedida de Angola foi dura, os primeiros anos em Portugal não foram menos difíceis. A família viu-se forçada a começar do zero e os primeiros anos de Luís Carlos em Portugal são passados na terra da mãe e dos avós maternos, em Casal Sancho, Viseu. Como era preciso garantir a subsistência da família, o pai tenta de tudo e arranja trabalho na distante Lisboa. Durante algum tempo, e até que a situação laboral do pai permitisse reunir de novo toda a família, Luís Carlos continuou com a mãe e a irmã, em Viseu, onde iniciou os estudos primários.

Mais tarde, já em Lisboa, prosseguiu os estudos e no liceu começou a interessar-se por informática. Computadores e motores eram já na altura as paixões de Luís Carlos. A adoração por carros e motas é tal que se pudesse, para além de Informático, “seria piloto de Fórmula 1”. Decidido, Luís Carlos ainda não tinha 18 anos quando jurou que tinha que tirar a carta de condução de automóveis. A maioridade, contudo, tinha-lhe guardado uma das maiores provas da sua vida. Problemas de saúde levam-no, por diversas vezes, à mesa de operações, a que se seguiram dois anos de fisioterapia intensa no Centro de Medicina e Reabilitação de Alcoitão que lhe devolveram a mobilidade possível. Ao lembrar esta passagem da sua vida, sente- -se a gratidão nas palavras de Luís Carlos. Gratidão imensa por todos aqueles que, em Alcoitão, o ajudaram a inverter um caminho que não raras vezes se pensou ser irreversível. Já com 23 anos de casa, são poucos os que na Câmara de Cascais não conhecem o Luís Carlos. E o percurso na autarquia começa aos 20 anos, quando na sua primeira experiência profissional, Luís Carlos consegue uma colocação como administrativo nas Oficinas Municipais. Desse tempo recorda o Chefe, engenheiro Daniel Barriga, que lhe dizia que “a felicidade depende muito da forma como encaramos a vida. Se nos acomodarmos, a vida nunca nos sorrirá.” Ensinamento que Luís Carlos nunca esqueceu porque nunca deixou de lutar pelos seus sonhos.


Já a trabalhar consegue, em simultâneo, licenciar-se em Informática de Gestão. Já “doutor”, e à espera de definição da sua situação na autarquia, concorre a um lugar na banca. Obteve a melhor classificação no processo mas na fase de entrevista negam-lhe abertamente a possibilidade de trabalhar no grupo por causa do seu problema de mobilidade. Nesse momento, pela primeira vez, Luís Carlos sentiu na pele que existem preconceitos que podem sobrepor-se à competência das pessoas. “Felizmente, hoje, a nossa sociedade encara estas situações com mentalidade mais aberta e de forma mais justa”, afirma. Mas por cada janela que se fecha há uma porta que se abre. Pouco depois surge a oportunidade de ir trabalhar para o Gabinete de Informática da Câmara Municipal de Cascais. Na época, Luís Carlos era o único elemento com uma licenciatura na área. “Ser informático é quase como ser médico, porque para se estar atualizado tem que se continuar a estudar pela vida fora.” Das palavras aos atos, algum tempo depois Luís Carlos voltou aos bancos da universidade para fazer uma pós-graduação em Sistemas de Informação porque, como explica, “o progresso na área informática não deixa de nos surpreender todos os dias, rola a uma velocidade vertiginosa.” A necessidade de se atualizar é, por isso, constante.

Tirando as histórias infantis que faz questão de ler todos os dias às duas filhas, as suas leituras resumem- se, atualmente, a manuais de informática. No seu dia de trabalho não há rotinas. Todos os dias apresentam-se como desafios aos quais ele e toda a equipa têm de dar respostas rápidas e eficazes. Ao Gabinete de Informática da Autarquia cabe fazer a manutenção de todo o parque informático, o que se traduz em muitas questões para dar resposta todos os dias. “Já passei algumas noites sem dormir à procura de soluções para tentar resolver problemas informáticos, mas não me arrependo porque na minha área aprendemos coisas novas todos os dias. Esses problemas tornam-nos todos os dias mais capazes. A nossa autarquia a nível informático não fica atrás do que de melhor se faz em Portugal nesta área. Devemos estar muito perto de atingir o rácio de um computador por utilizador”, acrescenta com satisfação. Sempre que pode, Luís vai até ao autódromo do Estoril sentir o som, o cheiro e a adrenalina dos motores. Mesmo que chova copiosamente e que seja o único espetador na bancada. Afinal de contas, não é preciso ser piloto para ganhar uma corrida, nem para vencer as difíceis voltas que a vida dá.


 


C - Boletim Municipal | 21 de março de 2013

Lourdes Chuva

Mesmo em conversas informais, fora do seu posto de trabalho, Lourdes fala num tom de voz muito suave. Tão suave que apenas o seu interlocutor consegue escutar. É quase como se de um truque de magia se tratasse e nos conseguisse transportar, através da sua voz, para os ambientes de biblioteca. Lá, o sítio onde os silêncios são de ouro. Lá, onde não temos a liberdade de fazer parte das histórias dos livros lidos pelas pessoas à nossa volta.

Não é verdade que se costuma dizer que na vida há sempre uma explicação para tudo? Ora bem, também para Lourdes Chuva há uma explicação. Esta colaboradora contou-nos que vive, desde a infância, entre livros e bibliotecas. “Eu ainda nem sequer sabia ler mas passava o tempo na Biblioteca Condes de Castro Guimarães. Habituei-me muito àquele espaço”. No total soma 42 anos de trabalho em bibliotecas. Atrevemo-nos por isso a dizer, que o seu tom de voz ganhou forma quando aos doze anos começou a colaborar com a secção infantil da Biblioteca do Museu Condes de Castro Guimarães. Lourdes nasceu no Monte Estoril, em 1958 e foi viver para o Parque Marechal Carmona, quando tinha apenas um ano de idade. O pai, o senhor Tavares, já ali trabalhava como jardineiro, e aceitou a casa de função do posto de trabalho onde ficaram alojados. Tinha sete pequenas divisões, e Lourdes adorava brincar naquela que era uma espécie de sótão, de onde conseguia ver todo o parque e o ambiente à volta do mesmo, sem nunca se deixar avistar. Para uma criança da sua idade era quase como estivesse a viver uma aventura das histórias de encantar. Quando ouviam o sino do portão conseguiam ver da janela quem estava para chegar. A chave enorme do portão de entrada para a casa tornava tudo ainda mais especial e os amigos achavam o máximo. “Ninguém tinha uma chave tão grande”, afirma. Embora Lourdes tivesse mais dois irmãos, as diferenças de idade bastante acentuadas entre eles levaram a que as brincadeiras da filha mais nova do casal Tavares fossem passadas na companhia dos filhos de outros dois funcionários que também ali viviam: a filha de Gabriel, o guarda-noturno do parque, mas principalmente, dos três filhos de Oliveira, o antigo mordomo dos Condes de Castro Guimarães. Jogavam às escondidas, simulavam acampamentos e corriam o parque de bicicleta. Mesmo quando chegava a hora de encerrar o jardim ao público, as brincadeiras continuavam. Mas Lourdes também chegou a conviver com outras crianças que não viviam no parque; apareciam nas férias de verão e acabavam por ir parar à biblioteca do museu. Ainda se lembra da emoção que sentiu no dia em que a convidaram para ir à piscina da Parada, onde hoje é o Museu do Mar. Mesmo quando os amigos não estavam por perto, Lourdes nunca se sentia sozinha. Dirigia-se à biblioteca e ficava horas na companhia dos funcionários. Os ateliês de pintura, gravura e cerâmica que o museu começou a promover para crianças a partir de 1964, levaram-na a passar ainda mais tempo naquele espaço, com Graça Pessoa de Amorim, a técnica que todos tratavam, carinhosamente, por “Gracinha”.


As atividades do museu começavam, entretanto, a atrair atenções, e o público infantil passou a afluir em maior número. Berta Jonet, uma mãe que costumava ir com os filhos ao Museu-biblioteca, e que mais tarde, veio a ser a responsável pela biblioteca infantil, propõe, à então conservadora do Museu, Maria Alice Beaumont, que se separasse a área infantil da dos adultos. Era preciso arranjar um espaço adequado à sua idade, mais iluminado, com estantes onde os livros estivessem ao alcance das crianças e onde com a natural espontaneidade que as caracteriza, pudessem comunicar sem interferir com a leitura ou o estudo dos adultos. Foi a partir daí que os livros infantis e juvenis passaram a ter um espaço próprio numa sala contígua à biblioteca dos adultos. “Com um fundo bibliográfico de uma centena de livros davam-se assim os primeiros passos para a constituição da futura Biblioteca Infanto-Juvenil do Parque Marechal Carmona”. As escolas passaram também a frequentar o novo espaço e a afluência do público infantil não parava de crescer, tornando-se necessário aumentar o fundo bibliográfico do mesmo. Em 1971, por intermédio de Branquinho da Fonseca, que já tinha exercido o cargo de conservador do Museu Condes de Castro Guimarães, mas que na época era o diretor do serviço de bibliotecas da Gulbenkian, foi pedido o apoio da Fundação e aquele espaço tornava-se assim na Biblioteca Fixa nº 168 da Fundação Calouste Gulbenkian. Nessa altura percebeu-se que também seria necessário contar com o apoio de mais uma pessoa. Gracinha já tinha percebido o grande entusiasmo de Lourdes em ajudar na preparação das atividades, e por isso, quando esta concluiu a 6ª Classe, e a mãe não permitiu que prosseguisse os estudos em Oeiras, propuseram-lhe que passasse a ser colaboradora da biblioteca. Com a devida autorização dos pais, Lourdes aceita o convite com a maior alegria. Cumpria um horário de duas horas e meia, e ganhava 250 escudos por mês, o equivalente hoje a 1,25 euros. Tinha apenas 12 anos na altura. A Fundação Calouste Gulbenkian ficou responsável pela gestão do acervo. “Passou a fornecer livros regularmente, e com fartura. Para além dos livros, recebíamos formação profissional”, explica Lourdes. O espaço onde hoje está instalada a Biblioteca Municipal de Cascais-Infantil e Juvenil, era na altura, a garagem da carrinha da Biblioteca Itinerante. Mudaram-se para ali em 1975, porque se entendeu juntar a vertente biblioteca aos ateliês, passando-se a designar as novas instalações por Centro Juvenil. “Em Cascais ainda não havia outras bibliotecas, e este espaço exclusivamente dedicado ao público infanto-juvenil era único no país. Um sucesso!”


Como afirma, parece que mesmo hoje, continua a manter o estatuto de biblioteca inteiramente dedicada à população infanto-juvenil, única a nível nacional. A partir de 2003, a gestão do espaço passou a ser da responsabilidade exclusiva da Câmara Municipal de Cascais. Quando atingiu a maioridade, Lourdes continuou a apostar na sua formação. Voltou aos bancos da escola e concluiu o 12º ano. Fez diversas formações relacionadas com a sua área profissional, e como nos disse “Todos os dias aprendo coisas novas, conheço pessoas diferentes e encontro muitos amigos que outrora frequentaram a biblioteca infantil, e que agora trazem cá os seus filhos”. Com um grande sorriso, conta que alguns desses pais, tal como ela, ainda eram uns meninos quando os conheceu, e lembra- se bem que às vezes tinha dificuldade em “metê-los na ordem”!


Os pais de Lourdes viveram e trabalharam durante mais de 30 anos no Parque Marechal Carmona. Lourdes já ali não mora, mas continua a trabalhar na Biblioteca Infantil-Juvenil do Parque. A filha mais velha de Lourdes, contudo, ainda ali viveu e brincou até aos cinco anos. Tudo somado, podemos dizer que nas páginas da vida de Lourdes, três gerações da sua família tiveram o privilégio de morar num parque à beira-mar plantado. Um daqueles parques que a maioria das crianças só conhece das histórias ilustradas sobre o Jardim do Paraíso. Lourdes disse-nos que nunca pensou em mudar de funções. Adora o que faz.


 


C - Boletim Municipal | abril de 2013

José António Proença

Nasceu em 1959 em Quintãs, freguesia de Três Povos, Fundão.

A localidade onde vivia com os pais e os avós integrava três povoações: Salgueiro, Escarigo e Quintãs. Tinha três escolas e três igrejas e entre as povoações existia uma “rivalidade” que reclamava por autonomia. José António Proença conta que para ele essas contendas deixaram de fazer sentido quando foi estudar para Belmonte e arranjou amigos dos outros lugares.


Quando ainda estudava na Escola Primária, lembra-se de ir com o pai à estação de comboios de Caria despachar as encomendas de queijos para Alcântara-Terra. Gostava do passeio, mesmo que fizesse muito frio não queria perder a oportunidade de ver o comboio passar e sentir a azáfama do local de embarque. Em 1969, quando tinha 10 anos, os pais emigram para França e deixam os três filhos à guarda dos avós. Esta foi uma decisão encarada por todos com serenidade. Continuavam a viver na casa de família, a estudar na escola da aldeia e não perderam os amigos de sempre. Uma boa parte das pessoas do interior do país emigrava e a Região da Cova da Beira não era exceção. Hoje, em conversa com a mãe sobre as razões da partida, ela diz-lhe que “nos anos sessenta ninguém ficava nas aldeias. Emigrar era quase uma moda e eles seguiram-na”. A promessa dos pais de que um dia poderia ir visitá-los nas férias para conhecer Paris, mantinham no expectante. Era bom aluno a todas as disciplinas, mas História era aquela em que superava os resultados. Em finais de Julho de 1975, aos 15 anos, completa o antigo 5º ano no Liceu de Belmonte, mas ainda não tinha ideia das suas escolhas em termos profissionais. O país vivia à época, uma crise económica. Não havia emprego garantido. Muitos colegas terminavam ali o percurso escolar, mas não conseguiam colocação.

No seu caso, já tinha decidido que continuaria a estudar. Era verão e estava de férias. Tinha chegado a sua vez de embarcar no Sud-express que o levaria na primeira viagem até Paris. O comboio seguia “à pinha” e entre os portugueses que regressavam a França, recorda-se que também viajavam muitos turistas que tinham vindo a Portugal “ver a Revolução”. Chega à 01h30 à Gare d’Austerlitz de onde telefona para os pais com os dois francos que “alguém” lhe emprestou. Não se tinha lembrado de os avisar que chegava naquele dia. “Hoje, acho que não faria isso, mas na altura não achei nada de extraordinário”, conta. Entre 1975 e 1984 passou sempre as férias de verão em Paris. Arranjava ocupações temporárias e aproveitava para aperfeiçoar o francês. Depois de completar o ensino secundário em Portugal vai viver para França durante um ano e de lá prepara-se para prestar provas de acesso ao ensino superior. Coimbra abre-lhe as portas do curso de História em 1980.

 Termina a licenciatura, leciona ainda menos de um ano na escola de Oeiras e concorre para assistente de conservador na Casa Museu Dr. Anastácio Gonçalves e fica colocado. Entre as coleções de prestígio da Casa Museu Dr. Anastácio Gonçalves, contam-se as Porcelana da China e a Pintura Naturalista de autores portugueses consagrados, como Silva Porto, Malhoa e Columbano. No dia-a-dia do museu, fazia visitas guiadas, participava na descrição e estudo das peças das coleções e na organização de exposições.

A diretora sabia que dominava a língua francesa e quinze dias depois, decide que seria ele a fazer a visita orientada a um grupo de profissionais do Louvre. O foco da visita incidiu sobre a relação entre a Pintura Naturalista Portuguesa e a escola francesa de Barbizon. “Naquele momento fiquei em pânico”, diz, mas a visita correu bem”. Fez boa figura. A oportunidade de fazer o Curso de Conservador de Museus surge pouco tempo depois. Como o mobiliário dos museus era das coleções menos estudadas em Portugal, a diretora propôs-lhe que o estágio versasse sobre o mobiliário da Casa Museu. Sob o título “O Reinado da Cadeira”, apresenta o estudo que incluía todos os exemplares da cadeira portuguesa no século XVIII existentes no museu. Entre os mais variados aspetos, relacionava o tipo de cadeira e os vestidos usados pelas senhoras naquela época. Com esta análise levada ao pormenor, o nome de José António Proença começa a ser indicado para colaborar com outros museus do país.

É com base neste e em muitos outros trabalhos já publicados que começa a ser sondado por museus com os quais já colaborou e que José António Proença aceita, em 2002, fazer o catálogo da coleção de mobiliário do Museu Condes de Castro Guimarães. Três anos depois foi convidado para integrar a equipa do Museu como Conservador e responsável. 

 

C - Boletim Municipal | 23 de janeiro de 2014

 

Fernando Lopes Graça

Gente que fica na história da história da gente
2014 marca o arranque das comemorações dos 650 anos da elevação de Cascais a Vila. E neste jornal acompanhamos este marco histórico a par e passo. Na primeira edição do ano, damos início a uma nova rubrica dedicada àqueles cuja vida e obra se destaca na construção da nossa identidade coletiva. Convidamos personalidades relevantes do presente para escrever sobre os mais notáveis nomes da nossa história. Jorge Costa Pinto, maestro de Cascais, homem do mundo, celebra precisamente 40 anos de carreira em 2014. Aceitou o desafio de partilhar com os leitores as memórias de um dos vultos da música portuguesa, de quem, aliás, foi aluno: Fernando Lopes Graça. As próximas linhas são uma viagem biográfica à vida do pedagogo, escritor e músico, cujo trabalho se encontra em destaque no Museu da Música Portuguesa, no Monte Estoril.
 
Pedagogo
Fernando Lopes Graça foi professor na Academia de Amadores de Música, em diversas disciplinas, durante largos anos. Nos primórdios dos anos 50, do século XX, frequentei aquela instituição estudando teoria, piano e composição.
Foi na aula de teoria da música a primeira vez que o vi, quando entrou na sala e perguntou se algum aluno tinha disponibilidade para integrar o coro que ele estava formando... creio que alguns colegas aceitaram o convite!
Mais tarde fui seu aluno nos 3º e 4º anos de piano e também nos cursos de harmonia e composição.
Lopes Graça foi professor exigente, interessado em que o aluno obtivesse as melhores notas, mas sobretudo que o aluno compreendesse a matéria, pela minúcia dos exemplos, por sugestões para melhorar a performance, a lembrar a minha dificuldade na gestão do tempo que restava para o estudo, após os compromissos diários do trabalho profissional que já exercia, sobretudo quanto ao piano que requer tempo de prática no instrumento, na harmonia a análise dos corais de Bach era exaustiva, a condução das vozes, nas progressões, tinha o detalhe das várias possibilidades quer se apresentavam, pois uma ou duas não era forma do Graça aceitar como definitivas.
São detalhes do ensino que o professor ministrava na Academia de Amadores de Música, aos seus alunos das diversas disciplinas que dirigia.
Foi membro dos júris que me avaliaram nos finais dos cursos de piano, e de composição; do ponto de vista do aluno, talvez um pouco avaro na atribuição das notas, mas à distância de algumas dezenas de anos, creio que foram justos, como não podia deixar de ser, não só pela honorabilidade como também pela sapiência dos membros que os compunham: professores: Fernando Cabral, Maria Vitória Quintas, Francine Benoit e Fernando Lopes Graça.
 
Escritor
Lopes Graça enriqueceu a bibliografia musical portuguesa contemporânea, com as dezenas de livros que escreveu ao longo da sua vida. 
Crítica, crónica, técnica musical, ensaio, biografia, memória, foram assuntos que tratou nos seus escritos...afeiçoado ao alto valor literário, da melhor cepa camiliana, de Fernando Lopes Graça João Freitas Branco, in "Páginas Escolhidas de Critica e Estética Musical".
'Viana da Mota - Subsídios para uma Biografia’, 'A Música Portuguesa e os seus Problemas', 'A Caça aos Coelhos e Outros Escritos Polémicos’, 'Um Artista Intervém-Cartas com Alguma Moral’, 'Pequena História da Música de Piano', são apenas alguns dos livros por si publicados. Valiosa bibliografia que, sobretudo pelas críticas a concertos, memórias e ensaios, nos dá uma panorâmica da atividade musical no país durante um período de mais de sessenta anos!
Não esqueçamos que Lopes Graça, logo após o termo do curso superior de piano, no Conservatório Nacional de Lisboa, (1931) concorreu a vaga existente, para professor naquela instituição pública, tendo sido aprovado com distinção, mas impossibilitado de concretização por razões políticas. Posteriormente (1954) aconteceu ter sido espoliado da licença para o ensino de música, não oficial, quando exercia esse mister na Academia de Amadores de Música. Vez mais por razões políticas. Muitos alunos foram prejudicados por essa ação, entre os quais o escriba destas linhas então no 4º ano de piano.
 
Músico
Graça inicia-se na música por acidente, como descreve de forma muito peculiar no seu livro Disto e Daquilo (Edições Cosmos-1973) na crónica "Recordações em Dó Maior"...começa aos onze anos a dedilhar no piano caseiro na procura de reproduzir as melodias que ouvia por onde andava, Margarida vai á Fonte, O sole Mio, e outras, tudo de ouvido! Mais tarde tem ajuda de professora amiga que lhe dá as primeiras noções da leitura musical.
Na casa materna, em Tomar, descreve, com humor, como foi absorvendo o conhecimento da grande (!) música. Cavalleria Rusticana, Palhaços, Viúva Alegre, Danúbio Azul - pela audição dos concertos dominicais que a Banda de Música do Regimento de Infantaria nº15, dirigida pelo tenente-maestro Rocha, promovia na Praça da República , hoje Praça de D. Manuel I. Outros organismos musicais existiam entre os quais as banda filarmónicas: Banda Republicana Marcial Nabantina e a Sociedade Filarmónica Gualdim Pais. Com muita graça, Lopes Graça diz: Sempre que as duas bandas se encontravam, tínhamos a música desafinada. Festa ou romaria abrilhantada por ambas elas desandavam em heróica e homérica refrega, da qual saíam os trombones amachucados, as flautas rachadas, os bombos estoirados, à força de serem utilizados como armas agressivas ou pararem os golpes do adversário. E é bem de ver que nem só os pobres dos instrumentos pagavam as custas das rivalidades entre as duas bandas, transformadas em dois autênticos bandos, com seus competentes partidários, que, em geral, são os mais assanhados nestas contendas clubistas. Aquilo era mesmo como as actuais e por vezes sangrentas lutas entre "benfiquistas" e "sportinguistas"...(!)
É vasta a obra composicional que o músico escreveu, grande parte está produzida em suportes fonográficos editados por empresas nacionais e internacionais, contudo um melómano, músico amador, imbuído de grande perseverança em proteger o património musical nacional, com a criação da Discoteca Básica Nacional, no âmbito da Direção-Geral das Artes - Secretaria de Estado da Cultura, onde foi alto quadro, Romeu Pinto da Silva, proporcionou a Lopes Graça a gravação de muitas das suas obras orquestrais e de câmara, nas últimas décadas do século XX, que de outro modo certamente hoje não teríamos o ensejo de escutar.
Na minha condição de músico e produtor musical tive oportunidade de ter colaborado em muitas dessas gravações: 6
- Sonata nº 6, Op.221 - Cinco Nocturnos, Op.105 – Quatro Improvisos, Op.146 - Dois Improvisos, Op. 228 - Ao Fio dos Anos e das Horas, Op.212 - Quarteto de Arcos Nº 2 - Canto de Amor e de Morte - Três Sonetos de Camões, Op.27 - Aquela Triste e Leda Madrugada, Op.112 - Seis Sonetos de Camões, Op.215 - Dez Novos Sonetos de Camões, Op.231- Oito Bagatelas - Trovas - 7 Canções Castelhano- Portuguesas de Rio de Onor - 6 Canções sobre Quadras Populares Portuguesas - Canções do 25 de Abril - 12 Canções Heróicas.
Um acontecimento me surpreendeu, em trabalho de gravação de obras para canto e piano, com Lopes Graça a meu lado na sala de controlo e, colaborador lírico recentemente chegado de Itália na sala onde se procedia a captação do som, com o pianista acompanhante. Depois de ter observado que tal intérprete não respeitava algumas das notas escritas na partitura, o compositor e cantor travaram-se de razões, altamente excitados, que só não chegaram a vias de facto por intervenção do produtor e a gravação chegou ao fim sem nunca ter visto a luz do dia.
Conheci o Graça temperamental! 
Foi uma vivência muito estimulante pela aprendizagem, pelo conhecimento, pela amizade que mantivemos até final dos seus dias, a 27 de Novembro de 1994. Paz à sua alma.
 
Jorge Costa Pinto
Parede, Janeiro de 2014
 

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